sábado, 20 de abril de 2024

Todo o dia

Todo o dia me lembrei de que naqueles dias tinhas a fronte vincada em profundas e verticais rugas e que consternado me chamaste junto aos teus joelhos e me falaste do teu quase desespero, quase derrota final; disseste-me que seguias por teus filhos somente. Hoje, meu pai, minha sólida âncora, estão em mim as mesmas rugas é a minha vez de não desistir.

Pai, lembro-me...

… de quando estivemos juntos no Recife, em Salvador da Bahia, em Belo Horizonte, em Brasília e no Rio de Janeiro. Levaste-me a conhecer todos esses lugares, do Brasil que tanto amaste. Sei que o meu olhar exaltado sobre as amplas paisagens, sobre as ruas de traça colonial, sobre as arrojadas maravilhas arquitectónicas, não diferia muito do teu próprio. O teu era um olhar de encantamento, de amor incondicional. Tão irredutível que repetias o duvidoso slogan que nos levava a discordar: “Ame-o ou deixe-o!” Mesmo quando eu ainda retinha a visão da miséria pernambucana e da repressão militar, não te contrariei, porque sabia que laços te envolviam, eternamente: o destino de emigrante dera-te uma filha dessa terra. Mesmo muito depois de retornares ao torrão natal, continuaste de longe a seguir os detalhes da vida desse grande País, que fizeste teu. Quão fantástico seria repetirmos essa nossa viagem, abraçados num voo impossível, quão rica seria hoje a nossa conversa! (19 de março de 2024)

terça-feira, 27 de outubro de 2020

terça-feira, 15 de julho de 2014

sexta-feira, 13 de junho de 2014

quinta-feira, 12 de junho de 2014

sábado, 7 de junho de 2014

segunda-feira, 2 de junho de 2014

CURRÍCULO




Currículo do pai

Local
Ano (aprox.)

Concluiu o Ensino Primário
Arranhó
1932?
Admissão na Escola Industrial e Comercial João Vaz
Setúbal
1933
Trabalha em escritório de torrefacção de café
Setúbal
c. 1933
Fundação da “Munhoz, Lda.
Setúbal
1935
Vendedor da firma “Pires de Oliveira, Lda”
Lisboa
c. 1936?
Criação e abate de suínos
Arranhó

Salsicharia e talho
Bucelas

Matadouro Industrial (suínos e bovinos)
Arranhó

Comercialização de enchidos
para Aveiro

Fornecimentos de carnes frescas a talhos
Lisboa

Exportação de fiambre
para Angola

Funda a “Sociedade União Recreativa Arranhoense
Arranhó
1939
Funda o grupo musical “Os Bem Entendidos
Arranhó
1941
Correspondente do Diário de Notícias
Arranhó
1946
Motorista
Arranhó
1947
Cortador
Arranhó
1948
Proprietário de talhos (256 e 68)
Lisboa

Criação da firma “Domingos Francisco Frade, Lda

1951
Criação de firmas de construção civil (dois prédios)
Lisboa


Emigrou para o Brasil

1959
Encarregado de restaurantes
São Paulo - Brasil
1960
Proprietário de pensão
São Paulo - Brasil
1960
Transporte e fornecimento de carnes
São Paulo - Brasil
1961
Proprietário de garagem
Santos - Brasil
1962
Firma “Agropesca
Pelotas - Brasil
1963-1970

Proprietário de loja de ferragens (“Fermetaço”)
Lisboa
1971
Proprietário de talho (“BALCAR”)
Setúbal
1972
Proprietário de quinta
Azeitão
1972
Proprietário de sapataria (“Ilha Bela”)
Lisboa
1973
Seareiro de arroz
Alcácer do Sal
?
Acionista na Bolsa
Lisboa
1973-4
Agente de seguros
Lisboa

Direção da Associação dos Comerciantes de Carnes
Lisboa
1982
Firma de Import-Export
Lisboa

Viticultor
Quinta do Paço
1986


O Olímpico



Em 13 de Novembro de 1963, a firma “Agropesca - Indústria de Produtos Agrícolas e Pescado, Ltda”, sediada em Pelotas, fez uma proposta de aquisição do barco “Olímpico” a um armador de Santos – “Vandenbrande & Companhia Limitada”.


Em 29 de Fevereiro de 1964, iniciou-se o pagamento da quantia acordada (Cr$ 15.000.000,00), por cheque visado emitido por José Munhoz Frade a favor de Julião Vandenbrande no valor de cinco milhões de cruzeiros.

Em 2 de Fevereiro de 1965, lavrou-se a escritura de venda e compra, tendo a respectiva transferência de propriedade sido publicada no Diário Oficial da União em 11/8/65.




O Olímpico efectuava a faina pesqueira preferencialmente em águas frias (por exemplo, na costa da Argentina), por arrastão, capturando principalmente a espécie “merluza”. Essa era a matéria prima da Agropesca, que a transformava em filetes que vendia, congelados, para todo o Brasil.



à proa (Porto Alegre, 28 de Julho de 1965)


Foi submetido a adaptações e reparações várias, umas vezes no Porto de Pelotas, outras em estaleiros, como o de Porto Alegre e o do Rio de Janeiro (onde se realizou a derradeira, em Novembro de 1968).








Em 19 de Dezembro de 1968, o barco “Olímpico” sofreu um acidente de navegação, cuja comunicação oficial e relatório detalhado se transcrevem:


Do: Comte. do Iate Nacional de Pesca “Olímpico”
Ao: Ilmo. Sr. Capitão dos Portos do Estado de São Paulo.
Assunto: Comunicação de Acidente.
Sirvo-me da presente para levar ao conhecimento de Va. Sa. o acidente de navegação ocorrido com o iate nacional a motor de pesca “Olímpico” sob meu comando, ocorrido no dia 19 do corrente por volta das 23:30 horas nas proximidades do Farol da Moela.
Os detalhes do acidente constam da comunicação cuja cópia fiel anexo ao presente, feita à autoridade policial quando da minha chegada a este porto.
O mencionado iate é inscrito na Delegacia da Capitania dos Portos do Estado do Rio Grande do Sul, em Pelotas sob o nº 801, na classificação D-2-k e na propriedade da empresa AGROPESCA – INDÚSTRIA DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA E PESCA LIMITADA, sediada na cidade de Pelotas à Margem do Rio São Gonçalo s/nº.
Informo ainda a Va. Sa. que por ocasião do abandono do iate tive tempo de poder ainda trazer a documentação da embarcação constante do rol de equipagem, cadernetas de inscrição da tripulação e documentos de registro, termos de vistoria, licença de estação rádio, cartão de lotação e passe de saída da Capitania do Rio de Janeiro de onde o iate provinha.
Finalmente informo a Va. Sa. que do acidente não há vítimas pessoais a lamentar eis que toda a guarnição, mercê de Deus, salvou-se, encontrando-se alojada por especial deferência no Instituto de Pesca M. Nascimento Jr. nesta cidade.
Outrossim, tendo em vista que nada mais me foi possível recuperar, encontra-se a guarnição sem roupa a não ser aquela em que vestia no momento do acidente, além de terem perdido suas economias e objectos de uso pessoal, razão pela qual solicito respeitosamente a Va. Sa. a colaboração do sentido de que, por rádio, seja encarecida a presença urgente nesta cidade de um dos representantes da firma armadora, para a assistência indispensável e o fornecimento de numerário para retorno da tripulação à cidade de suas respectivas residências."  (Nota: as folhas de pagamento e vales para a tripulação foram liquidados por um representante da Firma, conforme Recibo datado de 10 de Janeiro de 1969)
"Assim, na conformidade do que preceitua o artº 33 da Lei 2.180, aguardarei as determinações de Va. Sa. para a abertura do competente Inquérito, informando a Va. Sa. da impossibilidade de juntada de cópia dos Diários de Navegação e Máquinas perdidos no acidente.
Santos, 23 de Dezembro de 1968
Domingos Di Luccia
Patrão de Pesca
Comte.
(Fonte: arquivo pessoal)

(…)
Dizem as testemunhas que estando o barco na faina de pesca em alto mar, no dia 19 de dezembro de 1968, cerca das 23:30 horas, apresentou água aberta, a qual provinha do túnel do eixo propulsor, não havendo a bordo recursos para controlar o caudal.
Rumaram para a costa na direção da ilha da Moela.
Aumentando progressivamente o volume de água nos compartimentos de máquinas, aconteceu estancar o motor principal ficando o barco à matroca e sendo atirado à costa, próximo de pedras, isto cerca das 00:00 horas.
Em determinado momento foi ouvida uma explosão, apagando as luzes de bordo e irrompendo violento incêndio.
Seguiram-se explosões nos tanques de óleo combustível.
O mestre que pela fonia já havia pedido auxílio, determinou o abandono do barco, uma vez que, estando o mesmo com água aberta, incendiado, às escuras e batendo contra a costa, sem possibilidade por parte da tripulação de controlar a situação, aliado ao risco de vida pela perda constante de flutuabilidade, seria uma temeridade a permanência a bordo.
Aproximadamente uma hora e trinta minutos após pedir socorro, chegou auxílio, inicialmente por parte da guarnição do farol da Moela, e, posteriormente pela guarnição do Corpo de Bombeiros de Santos, os quais lutaram contra o fogo das 08:00 horas até às 12:00 horas do dia vinte, quando conseguiram debelar as chamas.
Após amarrarem a embarcação sinistrada às pedras da costa por intermédio de cabos de aço, conduziram os tripulantes para o porto de Santos.
A embarcação foi considerada irrecuperável quanto ao casco e duvidosa a recuperação dos motores, os quais estão submersos (perícia de fls. 46).
Vistorias em dia.
O “OLÍMPICO” era utilizado na pesca de arrastão lateral, estava classificado pelo Bureau Colombo, sendo o casco de madeira, motor Atlas Imperial Diesel, deslocando máximo 627,334 toneladas e construído em 1937 no porto de Santos.
Nos autos diversas fotografias do barco após o acidente.
A testemunha de fls. 15 declarou que o eixo propulsor estivera empenado, e fôra consertado recentemente pelo estaleiro Guanabara, ocorrendo que, após o desempeno aumentou por demais a trepidação do eixo, atribuindo esta testemunha tal fato como responsável pela água aberta, causa remota de todos os demais eventos.
O encarregado do inquérito não apontou responsáveis.
(…)”
(Fonte: Tribunal Marítimo, Rio de Janeiro, 30 de Julho de 1970)




a AGROPESCA

(Meu pai almejava um dia escrever a história do que foi a sua maior  realização pessoal durante o período em que residiu no Brasil. Guardou toda a documentação, mas não chegou a concretizar esse desejo. Apenas agora, após o falecimento de minha mãe, consegui recolher e ordenar todos os elementos, realizando aqui essa sua vontade. Para memória futura, aqui fica registada a história dessa empresa, necessáriamente em traços gerais, porque os pormenores apenas o meu pai podia contar.)

Em 28 de Maio de 1963, na sequência do que julgo ter sido a primeira iniciativa oficial da Firma,  a Câmara Municipal de Pelotas (Estado do Rio Grande do Sul, Brasil) autorizou a utilização da aparelhagem do "Entreposto de Leite" para o fabrico de gelo.

Em 13 de Novembro de 1963, a firma “Agropesca - Indústria de Produtos Agrícolas e Pescado, Ltda” fez uma proposta de aquisição de um barco a um armador de Santos.

Em 5 de Dezembro de 1963, a firma registava, no Departamento Nacional da Propriedade Industrial, a marca “Agropesca”, sendo a publicação no Diário Oficial da União feita em 10/4/64.


















Em 19 de Dezembro de 1963, o contrato social da Agropesca foi arquivado na Junta Comercial do Rio Grande do Sul, sendo sócios: José Munhoz Frade, José Gonçalves da Costa e Mário Ramos; o capital da firma era de doze milhões de cruzeiros; a empresa tinha a sede em Pelotas; destinava-se à exploração da indústria de produtos agrícolas, pescado, conservas alimentícias e fabrico de gelo.


Primeiro contrato social

Em 29 de Fevereiro de 1964, iniciou-se a compra do barco “Olímpico”, por quinze milhões de cruzeiros.

Em 18 de Novembro de 1964 a sociedade, com o capital social de 142 milhões de cruzeiros), era constituída por: José Munhoz Frade e José Gonçalves da Costa (sócios quotistas) e António Dourado dos Santos, Dorval Gaspar e Joaquim Dias (capital de quarenta e dois milhões de cruzeiros); destinava-se à exploração da pesca marítima e venda de produto, in natura ou salgado, nos mercados consumidores do Brasil.


Segundo contrato social

Em 2 de Fevereiro de 1965, lavrou-se a escritura de venda e compra do barco “Olímpico".



Em 28 de Setembro de 1965 procedia-se a alteração do contrato de sociedade por quotas, retirando-se Mário Ramos e admitindo-se como novos sócios quotistas Renato Caringi de Freitas, Dorval Gaspar, Deonilda Caringi Gaspar, António Dourado dos Santos, Ofélia Alves dos Santos, Joaquim Dias, Wolny Valente Ferreira e Delmira Maria Dias Ferreira. Mantinha o objectivo de exploração da indústria da pesca, indústria e comércio de produtos agrícolas, pescado, conservas alimentícias, fabrico de gelo e ramos correlatos. O capital social passava a ser de 210 milhões de cruzeiros, assim distribuído:

Renato Caringi de Freitas
70 milhões
José Munhoz Frade
40 milhões
José Gonçalves da Costa
40 milhões
Dorval Gaspar
10 milhões
Deonilda Caringi Gaspar
10 milhões
António Dourado dos Santos
10 milhões
Ofélia Alves dos Santos
10 milhões
Wolny Valente Ferreira
9 milhões
Delmira Maria Dias Ferreira
9 milhões
Joaquim Dias
2 milhões

A sociedade designava como administradores os sócios Renato Caringi de Freitas e Dorval Gaspar.

Terceiro contrato social

As instalações situavam-se na Margem do São Gonçalo (zona da Balsa), junto da "Cooperativa Sudeste de Carnes", onde actualmente decorrem as actividades de um Centro Tradicionalista Gaúcho.

Vista parcial de Pelotas (RGS, Brasil) - zona ribeirinha da Balsa, junto ao canal natural de São Gonçalo. No quadrante inferior esquerdo, visualizam-se os edifícios do antigo Frigorífico Anglo, atualmente reconvertidos em instalações de uma Universidade.
No quadrante inferior direito da foto, distingue-se a estrutura do Corpo 4 da fábrica (parcialmente em ruína).


PLANTA GERAL DA AGROPESCA
O Corpo 1 era constituído por: salas de Escalagem e de Salga, Moagem e Armazém de Farinha.

O Corpo 2 era a Fábrica de Farinhas e Óleos.

O Corpo 3 integrava a Central de Águas, a Casa das Caldeiras, a Oficina de Ferreiro e lavabos.

O Corpo 4 agregava Tanque de Gelo, Câmaras Frigoríficas, salas de Filetagem, Preparação e Cozedura, Sala de Autoclaves e Cravação de Latas, Sala de Expediente, Vestiário Feminino e Escritório.

O Corpo 5 era o Armazém.


Em 6 de Março de 1967, é celebrado com o Banco do Brasil um Contrato de Comodato.

Em 7 de Julho de 1967, Renato Caringi de Freitas transferiu 60.000 quotas para José Munhoz Frade e José Gonçalves da Costa, em partes iguais.

Em 28 de Julho de 1967, retirou-se o sócio José Gonçalves da Costa e procedeu-se a transferências de quotas; a sociedade manteve o capital social de 210 mil Cruzeiros Novos, assim distribuídos:

José Munhoz Frade
105 mil
Renato Caringi de Freitas
15 mil
Dorval Gaspar
15 mil
Deonilda Caringi Gaspar
15 mil
António Dourado dos Santos
15 mil
Ofélia Alves dos Santos
15 mil
Wolny Valente Ferreira
13,5 mil
Delmira Maria Dias Ferreira
13,5 mil
Joaquim Dias
3 mil

Com esta alteração do contrato social, ficavam como administradores os sócios José Munhoz Frade e Renato Caringi de Freitas.

Quarto contrato social

A análise contabilística da empresa efectuada em Outubro desse ano, registava um movimento de 1.088.198,25 NCR.

Em 20 de Março de 1968, os sócios Joaquim Dias, Wolny Valente Ferreira e Delmira Maria Dias Ferreira cederam a suas 30.000 quotas a José Munhoz Frade.

Em 29 de Novembro de 1968, o sócio administrador Renato Caringi de Freitas renunciou às funções de gerente, que ficaram entregues a José Munhoz Frade, a quem cedeu as suas 15.000 quotas. O balancete desse mês orçava em 940.252,51 NCR.



Em 13 de Dezembro de 1968, os sócios António Dourado dos Santos, Ofélia Alves dos Santos, Dorval Gaspar, Deonilda Caringi Gaspar cedem as respectivas quotas ao sócio José Munhoz Frade, que soma 60.000 às que detinha.

Em 19 de Dezembro de 1968, ao largo de Santos, o barco “Olímpico” sofreu um acidente de navegação, ficando inutilizado. Visto que o pescado era a única fonte de receita da Agropesca, o ano de 1969 foi penoso para a empresa e para o seu gerente. Logo nos meses seguintes se dirimiam questões com a banca. Eu próprio, então com quinze anos, ajudava meu pai, seja trabalhando no escritório, seja ao lado dos operários. Quando meu pai se ausentava de Pelotas, deslocando-se ao Rio de Janeiro (Planalto Hotel) para tratar de assuntos da empresa, como os relacionados com a estada do barco no estaleiro da Guanabara no mês anterior ao acidente, era comigo que os credores tratavam.

A seguradora britânica H. Clarkson & Company Limited só passado mais de um ano após o acidente, em Fevereiro de 1970, viria a ressarcir dos prejuízos. A despesa da última e incompetente reparação do Olímpico foi liquidada em 24 de Fevereiro de 1970, já depois de termos retornado a Portugal, após o que cessaram as actividades da Agropesca.


em 1970 (com 50 anos de idade)